sábado, 5 de fevereiro de 2011

A consulta


Uma vez fui ao consultório do Doutor L.
Apesar de estar em um momento bem sucedido no mundo acadêmico, não estava me sentindo saudável. A sensação de inquietude tomava conta de mim. Uma dorzinha quase que imperceptível, meses atrás, estava por se tranformar em uma bomba atômica prestes a explodir e eu precisava saber a opinião de algum médico e que ele prescrevesse uma receita para amenizar aquela incomodação.

Chegando ao hospital, a atendente por volta dos 30 e poucos anos, loira e com sotaque gaúcho me atendeu prontamente. Simpática, deu uns telefonemas e conseguiu um encaixe no atendimento daquela tarde. E lá fiquei aguardando minha vez.

O ambiente de espera do lado de fora do consultório era ordinário. Para a distração dos pacientes, o televisor tela plana moderníssimo estava ligado em algum canal da TV aberta e revistas de fofoca encontravam-se espalhadas em uma mesa mais a frente. Entretando, optei por colocar os fones de ouvido e me teletransportar para meu mundinho particular, deixando que os minutos e segundos passassem despercebidos.

Depois de ouvir quase vinte músicas, eis que perbebo a atendente acenando para mim freneticamente. Pela sua expressão, a coitada já estava tentando chamar minha atenção há algum tempo, mas sem sucesso. Envergonhada me encaminhei até o balcão de informação e ela, ofegante, indicou-me as escadas da esquerda e falou para subir até o segundo andar e bater na porta 202.

Entretanto, antes de me levantar da poltrona dei de cara com ELE, o desconhecido. Com o olhar em minha direção, um sorriso incipiente no canto da boca e uma expressão divertida no rosto lá estava aquele estranho rindo do meu momento distraído. Como podia alguém ser tão petulante a ponto de deliciar-se com a desgraça alheia?! Olhei para os lados e observei que mais ninguém havia reparado no acontecido. O restante das pessoas estava perdido em seus próprios universos paralelos. “Menos mal”, disse mentalmente. E segui para o meu destino. Ainda estava um pouco atordoada com a cena anterior e para chegar mais ‘normal’ na sala do médico, preferi subir as escadas ao invés de pegar o elevador.

Noc, noc. “Pode entrar”, disse uma voz rouca por detrás da porta. A entrada no consultório causou-me surpresa. Um senhor, de 60 e poucos anos me disse boa tarde e foi muito convidativo. Todavia, o que me despertou a atenção foram as paredes. Em vez de conter quadros pela sala com as conquistas acadêmicas, diplomas de mestrado e doutorado, podiasse encontrar ali posteres de bandas como The Cure, Beatles e Rolling Stones, além de fotografias de pessoas sorrindo abraçadas a um médico jovem, de baixa estatura, músculos não trabalhados e com tendência a calvice. Ao olhar novamente para o doutor, percebi que as caraterísticas encaixavam-se perfeitamente nele e que aquele jovem médico sorridente das fotos era o mesmo que esbanjava simpatia para mim naquele instante.

Examinei meticulosamente todos os detalhes mais uma vez e me veio cabeça que ele deveria ser adepto do projeto "Doutores Palhaços – A alegria é o melhor remédio para os doentes”. (Sim, o mesmo lema do doutor americano Patch Adams, ao qual inspirou o filme O amor é contagioso, vivido nas telonas pelo ator Robin Williams).

Depois de abstrair o primeiro impacto, finalmente consegui prender minha atenção no Dr. L. e relatei meu incômodo. Ele ouviu tudo atentamente e receitou um remédio que precisava ser tomado apenas uma vez. Prescreveu também que eu saisse mais, conhecesse novas pessoas... Enfim, o que qualquer pessoa diria para alguém tão ocupada como eu. No começo, não levei muito a sério aquele receita que mais parecia balela. Contudo, agradeci, me despedi do doutor e fui embora.

Na saída do hospital ainda encontrei com aquele engraçadinho que havia se divertido as minhas custas. Talvez eu tivesse passado sem reparar nele e ficaria por isso mesmo. Todavia, o garoto me seguiu até o corredor de saída. Pegou na minha mão e entregou um embrulho. Atrevido, logo concluí. Mas adivinha o que havia naquela embalagem. Meus fones. Sem querer, por causa da vergonha que passei com a atendente, havia deixado os fones no sofá de espera e ele guardou para mim. Quando estava mudando de opinião sobre ele, eis que encontro um pedaço de papel dobrado. De brinde, o papel trazia um número de celular. Típico. A minha primeira impressão não havia falhado.

Sai do hospital, peguei o primeiro táxi e desci na farmácia mais perto de casa. Ao mostrar a receita para a moça do balcão ela sorriu intrigada e entregou uma capsula. Pedi um copo d’água e tomei o remédio ali mesmo. Sai então para espairecer um pouco e relembrar o dia que pensei que seria um dia como outro qualquer. Mas aquilo estava longe de ser um dia normal.

Passeando pela praça mais próxima de casa comecei a notar mudanças e a sentir sintomas estranhos. Definitivamente aquele fim de tarde somado a medicação do doutor L. haviam provocado sérias alucinações em mim. Minha concentração tinha ido para o espaço e minha a imaginação ficou perdida em constantes devaneios. As mais mirabolantes ideias passaram por minha cabeça e de tanto divagar passei a confundir fantasia com o real e a misturar sonho com a realidade.

Os sintomas pioraram quando cheguei em casa. Tudo começou pelo aumento da pressão sanguínea, seguido da dilatação de quase todos os poros da pele do meu rosto ao olhar novamente para aquele pedaço de papel amassado. A descarga de adrenalina foi tão grande que meus músculos se debatiam e eu sem saber o porquê daquilo. Uma singela lembrança da troca de olhares e do toque em minha mão bastou para provocar em mim uma forte taquipnéia que desencadeou uma pulsante taquicardia. A força de contração ao qual meu músculo cardíaco sofreu foi tanta que quase cheguei ao desmaio.

Passaram-se alguns dias. Agora até a fome se esvaía. O mais novo sintoma, para preocupação geral, era a profunda insônia que se alastrava noite após noite e dia após dia. Semanas se passaram e como aquelas novas sensações não passavam resolvi seguir a receita do Dr. L. a risca. Liguei para o senhor atrevido. Quem melhor que um desconhecido como ele para jogar conversa fora e colocar em prática a receita do doutor?! Todavia, foi depois desse episódio que os sintomas iniciais da droga prescrita deram lugar a novos efeitos nos dias seguintes.

Os meus olhos mais pareciam duas faíscas que não paravam de brilhar. Sorrisos bobos ao meio da noite passaram a me pegar deprevinida e brotavam em meu rosto com a maior facilidade. Era só lembrar daqueles novos e contantes telefonemas no meio da tarde ou noite para tudo ficar bem. E as coincidências que não terminavam de aparecer?! Ahhh... As coincidências...


Foi então que... tchibum! Abri a comôda ao lado da minha cama e olhei a receita do tal remédio. Pluft! A medicação era na verdade uma pastilha. ¬¬
Caramba, nem para olhar o remédio que estava tomando eu... Espera!

1, 2, 3, 4, 5 ,6 , 7,...

Pois é, finalmente eu havia despertado e descoberto que aquilo que estava sentindo não era nenhum efeito colateral da suposta droga, nem muito menos doença. Na realidade, o problema era que meu coração a la Grinch começava a crescer novamente. Pois é, minha aposentadoria chegava ao fim. Pois é.
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3 comentários:

Melory Castela disse...

#PerguntasRespondidas! Faça a sua saiba como aqui no blog!

http://felipemarggera.blogspot.com/

obs:
Faço Parcerias, troco banners , sigo quem me segue...

Faça suas perguntas envie para:

Twitter: @Felip3candido

Tag: #ParguntasRespondidas

Thayanne disse...

Ei... Mó tempão que eu não venho aqui! Tô muuuuito saudosa da sua pessoa, Silvarela!!!!! Cheia de coisas pra contar (ou não). Tanta mudança que minha cabeça tá toda enrolada! Ainda bem que cê tem um blog pra me distrair nessas horas, néééé?! rs
Adorei o texto! Você é um espetáculo de escritora! Vou aproveitar o embalo e bisbilhotar as outras novidades do Vitrine!:D
Bjão, miguxaaaa!!! :)

Thayanne disse...

Ei, depois dá uma olhada nesse blog que eu achei há vários meses e me encantei: http://h-veronica.blogspot.com/
É bem legal! Ela também escreve muito bem! Bjão! :)

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