quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Um ordinário dia na Pintassilgos

Um tour pelo cotidiano e história de uma das avenidas da “Cidade Dormitório”

Por: Silvia Correia


Prolongamento da Prudente de Morais. Muito vento a bater no cabelo. O ponteiro do velocímetro marca 100 km/h. À direita, muito verde, dunas, o Parque da Cidade e o Circo Grock. À esquerda, vegetação rasteira, salão de festas, o Arena Bar. O final da via, no sentido Prudente de Morais – Pitimbú, aproxima-se. A velocidade do carro é diminuída, quase que estacionada. Chegamos à avenida transversal Xavantes, que marca o início do conjunto Cidade Satélite - mais conhecido pelo estigma de “Cidade Dormitório”.

Seguindo pela direita encontramos a Clínica Satélite. Continuar a trajetória nesse mesmo sentido implica percorrer a segunda etapa do conjunto, onde as ruas têm nomes de diferentes tipos de árvores e o ambiente é predominantemente comercial. Todavia, nosso destino é outro. No trevo mais próximo, dobra-se à esquerda. A paisagem agora se modifica um pouco. Casas nas mais variadas tonalidades de um lado e do outro, vegetação novamente, só que dessa vez de pequeno e grande porte. O semáforo adiante indica: “reduza a velocidade e pare”. Ao lado, um pastor alemão de latido forte chama atenção de quem passa. Um, dois, três tempos. O carro prossegue e finalmente chegamos à Avenida Pintassilgos, rua que corta a primeira etapa do Satélite de uma ponta a outra.

O alvorecer do dia naquele local parecia tranqüilo. Com um ar típico de cidade interiorana, nos deparamos - nas laterais da avenida - com diversos mercadinhos e padarias pelo caminho. Crianças desfilam pelas calçadas com suas mochilas nas costas, prontas para mais um dia de aula. Carros saem das ruas que têm nomes de pássaros e serras e dirigem-se para dois destinos: BR 101 e prolongamento da Prudente de Morais. O verde do Horto Florestal Parque das Serras se contrapõe com a obra de continuidade do Prolongamento da Avenida Prudente de Morais. No horário das 6 às 8 da manhã, um grupo de idosos se reúne para caminhar. Pelo grau de intimidade e sorrisos estampados nos rostos, parece que esse ritual faz parte do cotidiano daqueles moradores.

Com seus 70-80 anos, na flor da idade, o senhor Dário desloca-se para aquela multidão de cabeças brancas. Baixinho, sisudo, porém alegre, ele sai da rua Serra das Cruzes e segue em direção ao restante dos companheiros de atividade aeróbica. Tento abordá-lo, mas ele não quer conversa. Estava indo para sua caminhada matinal. Aquele horário é imaculado para ele.

O passeio pelos dois lados da Pintassilgos me rende boas fotos. Na praça, enquanto fotografo a Paróquia São Francisco de Assis, deparo-me com o senhor Manuel Aires, que estava por lá caminhando. Bem vestido, com todos os acessórios combinando, o idoso de 85 anos senta-se com dificuldade. Depois das apresentações, o comerciante aposentado e morador da Rua das Garças começa a falar sobre a congregação franciscana, da qual ele participa assiduamente. Relembra as festas americanas, que aconteciam quando a primeira etapa do conjunto foi inaugurada e cita as comemorações da igreja, que serviram de integração para a comunidade.

Por volta das dez e meia, encontro uma figura caricata na rua Serra Bonita: a dona Marieta. Ela estava varrendo a calçada. Trajava uma bermuda três quartos na cor caqui e uma blusa florida de coloração branca e salmon. As rugas do rosto não negavam a idade, mas cabelos brancos à mostra? Nada disso. Com as madeixas bem pintadas na cor castanho, puxada para o mel, essa senhorinha esbanjava simpatia. Aposentada, divorciada, sem filhos, a ex-enfermeira contou que a avenida, assim como todo o restante do conjunto Cidade Satélite, era tipicamente residencial e habitada por casais jovens, recém-casados, militares e funcionários públicos, como seu ex-marido, já falecido. Resolvi indagar sobre a denominação de Cidade Dormitório. Ela explicou que antigamente a maioria dos moradores trabalhava no centro da cidade e voltava para casa apenas para dormir.

Conversa vai, conversa vem. Entre as histórias de brigas de vizinhos, a brincadeira das crianças de atirarem ovos nas janelas dos ônibus e as festas D. Marieta comenta que, apesar desse ar de cidade do interior, nunca foi muito comum os vizinhos se reunirem para jogar conversa fora. “Era e é comum se encontrar crianças jogando bola ou correndo de bicicleta pelas ruas nos finais de semana. Contudo, à noite, nunca foi muito comum por aqui se encontrar vizinho pelas calçadas. Você só vê mato e deserto. Chega a dar medo ficar em uma parada de ônibus sozinha.” Ela ainda alerta para o problema das ruas dos pássaros, onde só passa a linha 44, e por causa disso muitos moradores permanecem horas a fio nas paradas. Indagada se gostava de sua moradia e se pretendia permanecer ali, afirma que sim. Grande parte de suas memórias se encontravam naquela rua.

Um pouco emocionada e com o olhar perdido, talvez em recordações, o sino da igreja toca apontando doze horas. As badaladas parecem despertá-la. Resolvemos finalizar a entrevista. Na saída, pego o bloquinho para anotar dados que faltavam: idade, nome e sobrenome. Ao que ela me responde: 83 anos e Maria Alves.

- Maria? Mas a senhora não falou que era Marieta?

- Ah, minha querida, isso já é uma outra história.

E rindo, despediu-se de mim com um abraço e felicitações de bom desempenho com a matéria.

Dona Marieta, seu Dário e o seu Manuel fazem parte de um cotidiano ordinário de uma das ruas de Natal. É realmente interessante e prazeroso sair para apurar uma história, um fato, uma notícia e encontrar personagens assim. Eles são exemplos dos típicos idosos natalenses que conhecem muitas histórias, causos e experiências a serem compartilhadas conosco todos os dias.


Matéria realizada para a disciplina Linguagem Jornalística da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) sobre uma das ruas de Natal, capital do estado do RN.
(FACES DE NATAL)

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